quarta-feira, 24 de julho de 2013

A suicida

   No inverno o índice de suicídio aumenta, diz-se por aí. É que se você foi parar para se observar durante o inverno você realmente tem vontade de cortar os pulsos. Naquela manhã de julho, quando levantei, os termômetros marcavam dois graus celsius, mas ouvi em algum lugar, no rádio ou na tv, não lembro, que a sensação térmica era de dois negativos. Chegou a gelar a ponta do meu nariz durante a madrugada. Enquanto eu tomava meu café escandalosamente e deliciosamente quente eu não pensava nos índices de suicídio. Eu pensava, sim, na quantidade de blusas que eu teria que por embaixo do casaco para não passar frio, mas veja bem, curitibano está acostumado com essas coisas. Aqui é frio até no alto verão. Parei para me observar a caminho do trabalho, quando meu all star desamarrou e, inexpressiva, fitei o cadarço sujando e se enrolando com as pedrinhas pretas de terra da praça. Parei, sim, como uma retardada. Suspirei e vi a fumaça de inverno envolvendo a bola de lã que era meu cachecol e ergui a cabeça, tendo a primeira visão suicida da cidade. Uma fonte de escultura quase barroca velha e acobreada, as árvores densas, as folhas secas ao chão, as pedrinhas, a neblina, o frio. Com aquele vento todo era até um susto ter tanta neblina naquela praça. E eu não via mas ninguém por perto. De repente a cidade estava vazia. As pessoas se escondendo do suicídio, pensei amargurada. Eu não. Por que? Porque eu era uma imbecil. Atravessei a praça e sentei na fonte, dois segundos depois eu estava enroscada numa bola humana, a fonte não tinha água.  Virei meus pés e sentei como quem quisesse molhar os pés na água invisível e encarei o anjo. Você podia ser de verdade, não é? E não é que o diabinho me respondeu? A verdade é questionável, estou aqui agora e daqui a pouco não estarei, não significa que não sou de verdade. Um anjo de cobre que fala com as pessoas no meio do centro de Curitiba é uma coisa completamente aceitável, então continuei a respondê-lo tentando disfarçar o espanto. Afinal eu não gostaria de ser mal educada com um anjo, certo? Errado. Já fui o interrogando sobre os mistérios do mundo. Ele muito sábio, respondeu: revelo todos os segredos do mundo para você, quando descobrir os segredos do seu. E como eu faço isso? Perguntei tão inocente, tão veranil, tão contente com a negociação. Se conhecendo, ora. Era um preço bem caro. O que eu fiz? Corri para minha casa, coloquei meu pijama e fui assistir Game of Thrones, não trabalhei, nem fui assistir aula, e nem toquei mais no assunto. Evito a praça todos os dias e no inverno escondo a cara no cachecol e não fico procurando paisagens, passei a atar os cadarços do meu all star em nós apertadíssimos e não falo mais com coisas inanimadas, na verdade, nem com o meu cachorro. Afinal, no inverno o índice de suicídio aumenta, diz-se por aí.

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