sábado, 30 de novembro de 2013

Só Nando salva.

Ó, padroeiro das almas desgraçadas pelas confusões do sentimento, fazei mais músicas que se expressem por mim.
Amém?
Amém.



"Sou sua mas não posso ser
Sou seu mas ninguém pode saber
Amor, eu te proíbo
De não me querer"

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Certo

E vêm olhos me fazer uma fofoca daquilo que eu já sabia há anos
E vem boca me provar as minhas desconfianças
Tão certo como o céu é azul, tão certo como moro no sul
tão certo como dois e dois é quatro, mas também pode ser um

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O homem sem nome

   Agora que o efeito da bebida passava eu via como o lugar era sujo. Depois de largar a quinta boca me deparei num prédio que mais parecia estar abandonado, mas lotado de gente bêbada e depravada ou dançando ou se agarrando nos cantos escuros. A fila do banheiro estava enorme. Desci as escadas pra procurar o amigo que veio comigo, fui até lá fora onde as pessoas descansavam do ar úmido e pesado da sala onde acontecia a festa, alguns fumavam, alguns bebiam, alguns encostados na parede cochilavam. Era quase de manhã.
   Emprestei um celular e liguei pro meu amigo, visto que não o achei e ainda bem que sabia seu número de cor. Estava cansada, mas ainda não queria ir embora, eu só precisava saber onde ele estava. Peguei mais uma cerveja no balcão e me encostei na porta para observar a alegria excessiva e passageira das pessoas que agora sambavam ao som de uma música muito antiga na qual eu não estava prestando atenção. Meu olhar e meu pensamento estavam focados muito longe dali quando alguém passou por mim e chamou minha atenção dizendo "como tem maloqueiro aqui, né?''. Era uma voz grossa de homem e ele apontou com a cabeça em direção do lado de fora da porta onde eu estava encostada. Havia ali três caras vestidos com moletons enormes, de bonés e um deles tinha dreads e muitos piercings no rosto. Tomei um gole da minha cerveja e dei de ombros, ignorando o rapaz que pegou uma cerveja e sumiu da minha vista.
    Deu tempo de mais três sambas tocarem, de eu dispensar um guri chamado Gabriel que veio conversar comigo e do tal Gabriel arranjar uma outra mulher com quem se atracou de um jeito que nem água fria separaria; e o cara da voz grossa voltou com a mão direita erguida e eu tive que focalizar meus olhos até entender que ele mostrava o dedo médio, quando isso aconteceu ele já estava encostado em mim até a altura do peito, com o braço esquerdo encostado na parede e curvado até seu nariz encostar o meu não me dando nenhuma chance de desviar. Apertei sua mão para esconder o gesto obsceno e com a mesma mão ele apertou forte meu rosto me dizendo que não adiantava eu ficar ofendida, porque era símbolo de não-sei-o-quê-de-rock e que eu era muito burra pra não entender nada disso.
   Quarenta minutos depois e eu não acreditava que ainda estava aguentando as farpas daquele cara bonito e arrogante que a cada frase que soltava dizia duas ou três indelicadezas. Ele bebia muita água e logo foi ficando mais lúcido e quanto mais lúcido, mais próximo de mim ficava, mais carinho me dava, mais propostas me fazia, mais patadas me dava. Eu esqueci que meu amigo estava muito atrasado, e só lembrei de ir embora quando os primeiros raios de sol atingiram a sala e começaram a revelar os casais embriagados nos cantinhos. Junto com a claridade veio o frio arrepiando a pele nua dos quatro braços envolvidos, nós ficamos mais perto um do outro para espantar o gelo e ele alternava seus carinhos suaves para apertões cada segundo mais agressivos e alguns puxões no meu cabelo. Mas se eu não tivesse gostado eu o teria mandado embora, coisa que não fiz. Ele me chamou a atenção. Ele me lembrou alguém, então fiquei.
   Ele estava de olhos fechados e respiração ofegante quando se ofereceu para me levar pra casa e eu quase aceitei. Estávamos na rua quando o amigo desaparecido apareceu com o meu juízo e o meu casaco. Então nos despedimos e ele ficou me observando ir embora com um dia quase claro. Eu quase entrei, pela terceira vez na minha vida, no carro de um homem estranho e, se eu tivesse saído cinco minutos mais cedo eu teria feito mesmo. Eu não pensei em sair com mais ninguém, continuar o domingo com mais ninguém porque ninguém foi tão espontâneo, tão mal educado, tão desgraçadamente sedutor. 
   Acho que eu nunca gostei de carinho mesmo, de puxa sacos doces demais, apaixonados demais, delicados demais. Esqueci das cinco bocas anteriores assim que aquele cara apareceu e me agradou tanto que não nos preocupamos em dizer nossos nomes.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Pecado original

Eva, lhe sou compreensiva
se eu não soubesse qual o gosto que o proibido tem
eu também lhe julgaria

Sangue quente, olhar pulsante
passo vacilante, palavra veemente
pintou os lábios de vermelho
para marcar a pele alva

encontrou na noite o espelho de sua alma
Todas as mulheres são a reencarnação de Eva
pecadoras, irresistíveis, feras
A interpretação em carne da perdição

Quero mesmo é provar o último sabor do pecado
e encontrar outras maçãs que me satisfaçam
devorar a carne com a mão.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Lia

Um pé no mar, 
um pé na lua,
a Lua fica.
lábios cerrados,
a lua imita
eu, pois, ia.

Mon cher diary

   Um horizonte reto, uma linha tão reta quanto minha vida era torta, o mar ia e vinha, as ondas cobriam os castelos de areia e voltavam. Já era tarde, o sol e as crianças já davam lugar ao tom azul claro do fim do dia e aos casais que sentavam em pontos isolados da praia. Era óbvio que ali, sozinha, minha mente viajaria quilômetros até chegar a você. Claro que viajaria.
   Tinha dois guris sentados há poucos metros de mim e até eu lembrar de você, eles tocavam reggae no violão. Então, no mesmo instante em que o céu começou a ficar laranja, que minha mente divagou, eu ouvi Pink Floyd. Nem preciso dizer que música era. 
   Meus joelhos já estão doloridos e minha vista turva, exatamente como naquela sexta-feira de praia. O problema é que agora eu estou vivendo numa eterna fadiga, na qual os sonos nunca me são suficientes, a água não sacia a sede e a comida não me mata a fome. Eu estou num labirinto, moço, eu não sei a saída. Me sinto nesse labirinto sendo guiada por você e estou vendada; cada vez que tento soltar sua mão, você me resgata e eu ainda não sei se isso é bom, porque eu não sei onde você está me levando. E apenas segurar sua mão não é suficiente.
   Eu sou inconstante, mas mudei isso por você, na verdade a mudança foi inconsciente. Quando eu vi, pela primeira vez na minha vida, eu tinha certeza do que estava sentindo. Retomando, eu sou inconstante, mas odeio a inconstância que sinto em você. As fotos estão espalhadas pelo quarto num dia escuro de chuva e eu quero me libertar desta situação, estou com você mesmo que você esteja muito longe e então eu fujo pro meu mundo onde eu consigo nos definir. Mas como fugir? Como não querer todo o céu quando você já tem as estrelas?

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A primeira à direita

   Paulo abriu os olhos ainda sentindo o sabor de seu sonho. Olhou de canto o sol adentrando a janela - nunca conseguira acordar com um despertador eletrônico, sempre odiou aquele barulho e então deixava que a luz do sol fosse naturalmente lhe despertar. Desde então nunca mais sentiu mau humor matinal. 
   Levantou e deu comida à sua gata, colocou água e café na cafeteira e foi tomar um banho. Enquanto a água esparramava-se por sua face pensava em mais um dia cansativo que teria de enfrentar, quando percebeu que seu humor era tão bom naquele dia que as horas lhe passariam voando. O café ajudou a despertá-lo, escolheu a roupa rapidinho, pegou a maleta e saiu para mais uma manhã de primavera. Fazia calor na cidade e achou muito gostoso o ar quente o envolvendo; se sentia como num filme, mas achou a ideia ridícula demais para admitir até para si que se sentia como a mocinha protagonista. Ainda estava rindo da ideia quando viu a mocinha protagonista real.
   Todos os dias ela passava como um furacão, sempre com pressa, sempre atrasada. Ele a via atravessando a rua e a acompanhava com os olhos até a esquina onde ela virava à direita e ele seguia reto. Ele nunca conseguia alcançá-la. Nunca havia tentado alcançá-la. Naquele dia ela parara no sinaleiro, com cara de sono nem notou a proximidade do estranho senhor de meia idade que já foi logo começando uma conversa sem se apresentar:
   - Você sabia que nos encontramos todos os dias por aqui?
   Isso parece papo de tarado e louco, pensou ela, mas apenas sorriu. - Não, nunca havia reparado. Os acasos da vida...
   E a conversa seguiu até a esquina onde ela viraria à direita e onde ele seguiria reto. Graças a Deus, aliás, pensou ela. Um pouco preocupada, pensou em mudar seu horário no dia seguinte. Só para garantir, claro. Foi só entrar na escola onde trabalhava que a mocinha esqueceu do ocorrido com Paulo, o estranho homem que a abordou só por curiosidade de saber quem era.
   No dia seguinte ela saiu de casa dez minutos mais cedo e mesmo assim lá estava ele, parado no sinaleiro, esperando. Cumprimentaram-se e conversaram um pouco mais. Depois de uma semana de conversas aleatórias a mocinha não sentia mais medo de Paulo e considerava um dos tantos que encontrava em seu caminho, como se estivesse na rua de uma cidade pequena onde todos se conhecem. Na segunda-feira a mocinha não viu Paulo, na terça-feira também não, nem na quarta e nem nas semanas que seguiram. Onde estava Paulo?
   Paulo abriu os olhos ainda sentindo o amargo sabor da madrugada. Não havia conseguido dormir e quando as primeiras horas da manhã trouxeram o sol, respirou aliviado. Nem tomou banho, não tomou café, vestiu um tênis apressado e saiu para o ar da manhã. Sentou na esquina do sinaleiro onde ele sempre encontrava a mocinha e esperou. Ela tinha que aparecer. Paulo ficou desde às sete da manhã até às seis da tarde sentado no chão, esperando, mesmo que não soubesse precisar. A mocinha não apareceu. Sua mente martelava uma cena na qual a mocinha se deitava com um mocinho numa grotesca e pornográfica cena de sexo, como nos filmes que assistia peralta durante a adolescência. Cenas de desprezo e ódio. Ele ficara louco de vez, suando frio, sentado no asfalto quente há horas esperando a vagabunda da ninfetinha que não viria ao seu encontro.
   Paulo foi encontrado duas semanas depois pendurado no varão de sua janela com o cadarço dos tênis amarrado no pescoço. Escrito em batom na parede branca estava: na esquina dos acasos a pressa me fez vítima. Vítima da ilusão chamada amor por alguém que sabia que eu existia, mas não via minha existência.  Quem disse que ninguém morre de amores?
   A mocinha esqueceu Paulo quando virou à direita na esquina.

A certeza da contradição

Ele de terno, estudante de direito
ela de letras e dreads no cabelo
se esbarraram a noite,
num acaso da vida
numa praça qualquer.
Ele rindo satisfeito
ela chorando em desespero
por alguém que não sabia se vestia branco
ou se virava violeiro.
Ele vinho, ela cerveja
ela morango, ele cereja
ele pediu cinema, ela queria feira
ele Outback, ela Parceria
ele escritório, ela folia
Quem sabe o Eduardo
 [não descobre que não era a Mônica, afinal?
Eduardo se encontrou com a Lua
mas Lua não quer saber do advogado.
Acha direito meio maçante
acha o violeiro mais interessante.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Calma alma minha

Cantando no corredor, sozinha
um silêncio que ninguém ouvia
Chovia lá fora
mas da janela pra cá não se tinha barulho

A sensação das pedras coladas nas folhas pela água
da terra sujando as solas dos pés
chuva de verão
pode sentir o cheiro até

e então a água inundou o pátio
e cruel arrastou-a pelo corredor
mas quão cruel ainda seria
se na água a moça não sentisse dor?

Abriu os braços e esperou o tapa
mas já não acontecia mais nada
quando abriu os olhou percebeu
que a tempestade era em sua alma

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Maçã

   Eu não estou em condições de lhe dar nenhum conselho, meu bem.
  Mal chegastes aos 17 anos e já defronta questões tão complicadas da vida, questões que eu, aos 47, não vi em meu caminho. 
   Ontem vi quando chegou em casa, lhe abracei durante o banho, cuidei de você durante a noite que foi tão difícil. Sonhastes com alguém, imagino. Você chamou seu nome incontáveis vezes, chorou e se abraçou. 
   Não beba mais maçã, meu amor.
   Nem maracujá.
   Nem limão.
   Muito menos a de morango.
   Mas maçã nunca, nunca mais. 
  De todas foi essa que sobrou de gosto em sua boca, porque maçã é pecado. É proibido. É convidativo.
   E você sabe, agora.
  Cuide-se, pequena. Porque ninguém mais vai cuidar de você.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


I cannot forget

Nesta semana resolvi escrever na janela da minha alma
mas não tive tempo nem de rimar ão com ão
Andamos ocupados demais, tristes demais, vivos demais
para nos preocuparmos com coisas tão banais,
tão normais quanto falar e escrever

Eu imaginei nesta semana
imaginei histórias das quais não consigo prever o fim
Estar submissa a outra pessoa não me agrada
estou acostumada a subir a escada
de dois em dois degraus.
E me sinto engatinhar agora
e também acho que já está na hora
desta escada se desmanchar

Sei que eu já disse adeus várias vezes
mas espero que este seja definitivo
se nossa amizade é tão forte quanto dizes
não vai ficar mais tão esquivo
e constrangido com o que eu sinto

Antes eu queria te dizer
como fosse uma despedida
que o amor que eu sentia era real
errado, mas quem liga?
Quando eu dizia ''eu te amo''
era muito menos superficial
que a luz do sol que amanhece o dia

Ontem eu disse tudo isso enquanto você dormia
foi um ato um grau a menos que covardia
é que eu fiquei com medo que você fugisse
fui deitar meio vazia
acordei meio triste
não dormi direito, não sonhei o que eu queria
imagens borradas, nela você me dizia:
sou teu amigo e mais nada
você que é iludida.

Com o tempo, o tempo transforma tudo em tempo
me disse alguém uma vez
e eu já estou enrolando, vou parar de escrever
vou ver um filme
beijar alguém
e esquecer o que me disseram,
esquecer você de vez.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O dia anoitece

   Era algo que eu devia prever, eu presumo.
   Acordei com a boca amarga e você não estava ali. Demorei para abrir os olhos e quando fiz, me senti exausta. Estive com você a noite toda. 
   Tinha duas butter toffees na mesa da sala e um copo de água, o chuveiro estava gelado, não tinha café. Meus cabelos não estavam embaraçados e o formigamento na boca havia sumido. Olhei no espelho e o meu pescoço estava alvo, tão limpo como se nunca tivesse havido marcas. Apertei e não doía.
   Não sentia mais seu cheiro fresco e não tinha mais as lembranças da noite.
   Seu riso ecoou pela sala e eu tive vontade de voltar para a cama, quem sabe se eu conseguisse dormir... Eu poderia voltar a sonhar com você.
   O que era quase uma certeza. Todas as manhãs eu acordo com a impressão de ter lhe visto e não amanheço quando percebo que era tudo um sonho. Eu anoiteci para sempre.

Aquecimento sensacional

Entrei na lua com pé direito
de mãos dadas com o sol,
do universo virei prefeito

Mando nas estrelas
nos asteroides e nos planetas

Tenho o rei na barriga,
nos pés e nas mãos
por isso achei melhor
banir plutão, o planeta anão

Faço o que eu quero com a Terra
controlo a Via Láctea via satélite
todos me veem como fera.

Quando me avistam
todos somem
Com muito prazer,
meu nome é homem.