quarta-feira, 30 de agosto de 2023

(re)coméço

 




sua mão quente na minha coxa sempre gelada piorada pelo ventilador ligado é uma lembrança tátil difícil de esquecer. mesma coisa com os primeiros raios de luz de seis da manhã de inverno entrando na sua sala. a gente ofegante, em plena quarta-feira, se provocando e prestes a se enroscar de novo. se eu descrever as intenções daqui uns anos pode ser que eu me arrependa, então quero registrar só o momento de transa gostosa com música nacional baixinha, os gemidos de outra mulher nos filmes que a gente gosta de ver se misturando com os meus ali e você tocando cada centímetro do meu corpo com cada centímetro do seu. uma garrafa d'água, o seu cigarro, uns eu te amo nos sorrisos inevitáveis que ainda se constrangem com o tom da promessa. eu te amo é promessa. que surpresa boa, meu amor. que surpresa boa. perdemos o horário com as pernas bambas. com prazer, repito logo, espero eu. 

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Carta de despedida

    T,

    Eu no sofá, bochecha apoiada no joelho, observando meu filho brincar no meio da sala, pensando em como você devia estar com a sua família a uma distância segura da minha casa (e da minha vida) fez eu me sentir num daqueles filmes de roteiro clichê, mas cujo objetivo é ser original, aí eles não colocam os dois mocinhos juntos no final. Na verdade, fica ali no ar uma lição: nem sempre os protagonistas são mocinhos, ou fazem bem um ao outro, ou sequer são mesmo protagonistas da vida um do outro. Acho que isso aconteceu com a gente. E eu percebi assim que entrei no seu carro naquele dia, eu estava deslocada. Jamais eu caberia de novo ali na sua vida. Ainda bem, porque já passou tanto tempo. Ali no seu carro, em dez minutos de conversa, eu com tristeza percebi que nossa história acabou há dez anos, cheia de "e se" e "eu devia ter feito isso ou dito isso", é verdade, mas acabou. E eu que por todos esses anos pedi tanto por uma chance de fazer diferente, parei com esse último "e se" travado na garganta. Sem nenhuma chance. Porque nós não somos mais protagonistas da história um do outro. Então eu aqui, sentada no sofá, relembrando nossas histórias enquanto observo meu filho brincar, fico repassando incansável a pergunta que você me fez naquele dia: "comigo você teria casado?" e com essa pergunta a sombra de uma vida que poderia ter sido e não foi, mas foi como tinha que ser. Agora aqui nesta carta eu preciso enterrar você de uma vez, dez anos depois, mesmo com a sensação de que você achou o caminho de volta, com um final que eu não pedi, mas que foi. Agora, dez anos depois, sem esperar por mais uma chance, sem esperar por mais um beijo, sem esperar que a vida crie mais uma situação pra dizer que não, não mesmo, eu nunca, nunca te esqueci. Mas nós não somos mais protagonistas nem desse filme, nem das histórias um do outro. Mesmo que não seja comigo, eu espero que você ache a paz que tem buscado, que tentou desesperadamente encontrar em mim naquela sexta-feira e não conseguiu, e que nas voltas que o mundo dá a gente ainda acabe se encontrando sem precisar virar o rosto um pro outro, só com a sensação de "sim, tudo acabou bem".

    Acho que eu nunca te disse isso espontaneamente, mas é o que é:

    eu te amo.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

I see you live on Love Street
There's this store where the creatures meet
I wonder what they do in there
Summer sunday and a year
I guess I like it fine, so far


    Já perdi as contas de quantas noites eu passei sem dormir, e no meio da madrugada, lavei o rosto na pia do banheiro tentando dar clareza aos pensamentos. E me encarei no espelho, a pele molhada, a água escorrendo do nariz e se espalhando pelo meu colo nu. Talvez eu estivesse me julgando, por ter me apaixonado tão rápido e nas condições em que me apaixonei. Ou talvez eu só esperasse que você aparecesse no reflexo. Como naquele apartamento na praia. Fazendo carinho nas minhas costas sensíveis à você. Sensíveis demais. Talvez eu só quisesse sentir o torpor de estar no seu abraço de novo, no cheiro da tua pele bronzeada, e no arrepio do teu toque quente. Ouvir a trilha sonora daqueles dias, enquanto você enchia a casa do cheiro da tua comida gostosa e do teu cigarro. O som das músicas e da tua voz rouca acompanhando. Das minhas mãos te apertando e te arranhando sem querer enquanto você gemia com o movimento. O adormecer sentindo a tua respiração nos meus cabelos.
    Eu me apaixonei muito rápido, porque eu sou impulsiva. Eu te avisei que era e mesmo assim você se meteu naquele apartamento, na minha semana, no meu peito.
    E, impulsivamente, eu não vou negar que gostei.

domingo, 5 de junho de 2016

Saudade

Estive olhando sua imagem a noite toda... Ela dormindo assim tranquila na meia luz do abajur amarelo de seu quarto faz minha respiração ficar mais agitada, seu rosto redondo e claro emoldurado pelo emaranhado de cabelos escuros e a boca entreaberta me faz ter vontade de acordá-la e um amor enorme enche meu peito de orgulho por aquela mulher estar numa cama que eu posso chamar de nossa. Sorrio e beijo sua boca. Ela se mexe um pouco e sorri também. Ela está dormindo e talvez meu beijo tenha entrado em seus sonhos. Quase nem parece que o mundo desaba janela a fora, de chuva e de lágrimas. O aperto em meu peito deve ser só angústia por ter de enfrentar a segunda-feira daqui algumas horas. Uma segunda-feira chuvosa e gelada de quase-inverno. Vou ter que deixar aquela cama de edredom amarelo e lençol azul, quente como sua pele, com o calor do seu abraço e a preguiça na voz de quem diz: "acorda, amor, já tá na hora". Quando deito e me encaixo no seu corpo encolhidinho ela geme e corresponde à anatomia. A pele firme e macia me faz ter vontade de ficar naquele peito pra sempre, seu perfume de creme hidratante e suor me faz ter arrepios na boca do estômago e fecho os olhos para gravar a lembrança, porque de repente sei que ela não está ali. O cheiro do quarto é gelado e não tem ninguém comigo. Sonhei de novo. Ela não está aqui. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Nas paredes brancas feitas de gelo existe a sombra de um casal que já foi materializado
O desprezível silêncio do fim se esconde atrás das cortinas
O adeus não dado se acomoda nas prateleiras do armário
E espera o momento de solidão para encher o apartamento do subúrbio de melancolia

E envolve, entorpece, feito lança perfume, feito fumaça de maconha em ambiente fechado
Amortece

E de repente

dói

segunda-feira, 13 de julho de 2015

O que antes era sol
hoje é guardado
por paredes de Alasca

Dizem que lá nunca anoitece.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Do inferno ao ordinário

De noite, deitada na cama, senti braços gelados me segurando muito forte e me prendendo e me afundando no colchão. De repente tudo era gelado. Quando consegui me libertar, me debati nas paredes feio barata de asas.
Quando acordei, de manhã, apesar do sol amarelo vibrante no meio do céu azul limpinho, meu quarto era nublado. E eu não fiz mais nada. 
Inútil, eu ouvi. 
Você não tem força de vontade, eu ouvi.
Levanta. Tem aula. Procure emprego. A aula. Tá todo mundo falando. Vai.
PRE
GUI
ÇO
SA.
Você tá engordando. Você emagreceu demais. Parece doente.
É porque não faz
NA
DA.
Nada, Luana, nadei num mar gelado e dolorido. Sem saber nadar, boiei. Tô a deriva esperando salvação, com medo de me mexer e me afogar, porque eu tenho medo do mar. Porque eu não sei nadar. 
Tô num buraco fundo e gelado, com medo e sem reação. Na linha dos lábios eu peço silenciosamente e desesperadamente por socorro, mas as pessoas ouvem preguiça. 
Eu preciso de ajuda.
O buraco chama depressão.