terça-feira, 23 de novembro de 2021

Carta de despedida

    T,

    Eu no sofá, bochecha apoiada no joelho, observando meu filho brincar no meio da sala, pensando em como você devia estar com a sua família a uma distância segura da minha casa (e da minha vida) fez eu me sentir num daqueles filmes de roteiro clichê, mas cujo objetivo é ser original, aí eles não colocam os dois mocinhos juntos no final. Na verdade, fica ali no ar uma lição: nem sempre os protagonistas são mocinhos, ou fazem bem um ao outro, ou sequer são mesmo protagonistas da vida um do outro. Acho que isso aconteceu com a gente. E eu percebi assim que entrei no seu carro naquele dia, eu estava deslocada. Jamais eu caberia de novo ali na sua vida. Ainda bem, porque já passou tanto tempo. Ali no seu carro, em dez minutos de conversa, eu com tristeza percebi que nossa história acabou há dez anos, cheia de "e se" e "eu devia ter feito isso ou dito isso", é verdade, mas acabou. E eu que por todos esses anos pedi tanto por uma chance de fazer diferente, parei com esse último "e se" travado na garganta. Sem nenhuma chance. Porque nós não somos mais protagonistas da história um do outro. Então eu aqui, sentada no sofá, relembrando nossas histórias enquanto observo meu filho brincar, fico repassando incansável a pergunta que você me fez naquele dia: "comigo você teria casado?" e com essa pergunta a sombra de uma vida que poderia ter sido e não foi, mas foi como tinha que ser. Agora aqui nesta carta eu preciso enterrar você de uma vez, dez anos depois, mesmo com a sensação de que você achou o caminho de volta, com um final que eu não pedi, mas que foi. Agora, dez anos depois, sem esperar por mais uma chance, sem esperar por mais um beijo, sem esperar que a vida crie mais uma situação pra dizer que não, não mesmo, eu nunca, nunca te esqueci. Mas nós não somos mais protagonistas nem desse filme, nem das histórias um do outro. Mesmo que não seja comigo, eu espero que você ache a paz que tem buscado, que tentou desesperadamente encontrar em mim naquela sexta-feira e não conseguiu, e que nas voltas que o mundo dá a gente ainda acabe se encontrando sem precisar virar o rosto um pro outro, só com a sensação de "sim, tudo acabou bem".

    Acho que eu nunca te disse isso espontaneamente, mas é o que é:

    eu te amo.