segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O homem sem nome

   Agora que o efeito da bebida passava eu via como o lugar era sujo. Depois de largar a quinta boca me deparei num prédio que mais parecia estar abandonado, mas lotado de gente bêbada e depravada ou dançando ou se agarrando nos cantos escuros. A fila do banheiro estava enorme. Desci as escadas pra procurar o amigo que veio comigo, fui até lá fora onde as pessoas descansavam do ar úmido e pesado da sala onde acontecia a festa, alguns fumavam, alguns bebiam, alguns encostados na parede cochilavam. Era quase de manhã.
   Emprestei um celular e liguei pro meu amigo, visto que não o achei e ainda bem que sabia seu número de cor. Estava cansada, mas ainda não queria ir embora, eu só precisava saber onde ele estava. Peguei mais uma cerveja no balcão e me encostei na porta para observar a alegria excessiva e passageira das pessoas que agora sambavam ao som de uma música muito antiga na qual eu não estava prestando atenção. Meu olhar e meu pensamento estavam focados muito longe dali quando alguém passou por mim e chamou minha atenção dizendo "como tem maloqueiro aqui, né?''. Era uma voz grossa de homem e ele apontou com a cabeça em direção do lado de fora da porta onde eu estava encostada. Havia ali três caras vestidos com moletons enormes, de bonés e um deles tinha dreads e muitos piercings no rosto. Tomei um gole da minha cerveja e dei de ombros, ignorando o rapaz que pegou uma cerveja e sumiu da minha vista.
    Deu tempo de mais três sambas tocarem, de eu dispensar um guri chamado Gabriel que veio conversar comigo e do tal Gabriel arranjar uma outra mulher com quem se atracou de um jeito que nem água fria separaria; e o cara da voz grossa voltou com a mão direita erguida e eu tive que focalizar meus olhos até entender que ele mostrava o dedo médio, quando isso aconteceu ele já estava encostado em mim até a altura do peito, com o braço esquerdo encostado na parede e curvado até seu nariz encostar o meu não me dando nenhuma chance de desviar. Apertei sua mão para esconder o gesto obsceno e com a mesma mão ele apertou forte meu rosto me dizendo que não adiantava eu ficar ofendida, porque era símbolo de não-sei-o-quê-de-rock e que eu era muito burra pra não entender nada disso.
   Quarenta minutos depois e eu não acreditava que ainda estava aguentando as farpas daquele cara bonito e arrogante que a cada frase que soltava dizia duas ou três indelicadezas. Ele bebia muita água e logo foi ficando mais lúcido e quanto mais lúcido, mais próximo de mim ficava, mais carinho me dava, mais propostas me fazia, mais patadas me dava. Eu esqueci que meu amigo estava muito atrasado, e só lembrei de ir embora quando os primeiros raios de sol atingiram a sala e começaram a revelar os casais embriagados nos cantinhos. Junto com a claridade veio o frio arrepiando a pele nua dos quatro braços envolvidos, nós ficamos mais perto um do outro para espantar o gelo e ele alternava seus carinhos suaves para apertões cada segundo mais agressivos e alguns puxões no meu cabelo. Mas se eu não tivesse gostado eu o teria mandado embora, coisa que não fiz. Ele me chamou a atenção. Ele me lembrou alguém, então fiquei.
   Ele estava de olhos fechados e respiração ofegante quando se ofereceu para me levar pra casa e eu quase aceitei. Estávamos na rua quando o amigo desaparecido apareceu com o meu juízo e o meu casaco. Então nos despedimos e ele ficou me observando ir embora com um dia quase claro. Eu quase entrei, pela terceira vez na minha vida, no carro de um homem estranho e, se eu tivesse saído cinco minutos mais cedo eu teria feito mesmo. Eu não pensei em sair com mais ninguém, continuar o domingo com mais ninguém porque ninguém foi tão espontâneo, tão mal educado, tão desgraçadamente sedutor. 
   Acho que eu nunca gostei de carinho mesmo, de puxa sacos doces demais, apaixonados demais, delicados demais. Esqueci das cinco bocas anteriores assim que aquele cara apareceu e me agradou tanto que não nos preocupamos em dizer nossos nomes.

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