quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A primeira à direita

   Paulo abriu os olhos ainda sentindo o sabor de seu sonho. Olhou de canto o sol adentrando a janela - nunca conseguira acordar com um despertador eletrônico, sempre odiou aquele barulho e então deixava que a luz do sol fosse naturalmente lhe despertar. Desde então nunca mais sentiu mau humor matinal. 
   Levantou e deu comida à sua gata, colocou água e café na cafeteira e foi tomar um banho. Enquanto a água esparramava-se por sua face pensava em mais um dia cansativo que teria de enfrentar, quando percebeu que seu humor era tão bom naquele dia que as horas lhe passariam voando. O café ajudou a despertá-lo, escolheu a roupa rapidinho, pegou a maleta e saiu para mais uma manhã de primavera. Fazia calor na cidade e achou muito gostoso o ar quente o envolvendo; se sentia como num filme, mas achou a ideia ridícula demais para admitir até para si que se sentia como a mocinha protagonista. Ainda estava rindo da ideia quando viu a mocinha protagonista real.
   Todos os dias ela passava como um furacão, sempre com pressa, sempre atrasada. Ele a via atravessando a rua e a acompanhava com os olhos até a esquina onde ela virava à direita e ele seguia reto. Ele nunca conseguia alcançá-la. Nunca havia tentado alcançá-la. Naquele dia ela parara no sinaleiro, com cara de sono nem notou a proximidade do estranho senhor de meia idade que já foi logo começando uma conversa sem se apresentar:
   - Você sabia que nos encontramos todos os dias por aqui?
   Isso parece papo de tarado e louco, pensou ela, mas apenas sorriu. - Não, nunca havia reparado. Os acasos da vida...
   E a conversa seguiu até a esquina onde ela viraria à direita e onde ele seguiria reto. Graças a Deus, aliás, pensou ela. Um pouco preocupada, pensou em mudar seu horário no dia seguinte. Só para garantir, claro. Foi só entrar na escola onde trabalhava que a mocinha esqueceu do ocorrido com Paulo, o estranho homem que a abordou só por curiosidade de saber quem era.
   No dia seguinte ela saiu de casa dez minutos mais cedo e mesmo assim lá estava ele, parado no sinaleiro, esperando. Cumprimentaram-se e conversaram um pouco mais. Depois de uma semana de conversas aleatórias a mocinha não sentia mais medo de Paulo e considerava um dos tantos que encontrava em seu caminho, como se estivesse na rua de uma cidade pequena onde todos se conhecem. Na segunda-feira a mocinha não viu Paulo, na terça-feira também não, nem na quarta e nem nas semanas que seguiram. Onde estava Paulo?
   Paulo abriu os olhos ainda sentindo o amargo sabor da madrugada. Não havia conseguido dormir e quando as primeiras horas da manhã trouxeram o sol, respirou aliviado. Nem tomou banho, não tomou café, vestiu um tênis apressado e saiu para o ar da manhã. Sentou na esquina do sinaleiro onde ele sempre encontrava a mocinha e esperou. Ela tinha que aparecer. Paulo ficou desde às sete da manhã até às seis da tarde sentado no chão, esperando, mesmo que não soubesse precisar. A mocinha não apareceu. Sua mente martelava uma cena na qual a mocinha se deitava com um mocinho numa grotesca e pornográfica cena de sexo, como nos filmes que assistia peralta durante a adolescência. Cenas de desprezo e ódio. Ele ficara louco de vez, suando frio, sentado no asfalto quente há horas esperando a vagabunda da ninfetinha que não viria ao seu encontro.
   Paulo foi encontrado duas semanas depois pendurado no varão de sua janela com o cadarço dos tênis amarrado no pescoço. Escrito em batom na parede branca estava: na esquina dos acasos a pressa me fez vítima. Vítima da ilusão chamada amor por alguém que sabia que eu existia, mas não via minha existência.  Quem disse que ninguém morre de amores?
   A mocinha esqueceu Paulo quando virou à direita na esquina.

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